13 de junho de 2011

Construa um espaço interior e refugie-se da crise! Por Roberto Goldkorn



"Um discípulo alemão estava num *dojo no Japão, diante do mestre Zen, e de outros discípulos japoneses, quando de repente a terra tremeu. As frágeis paredes do recinto vieram abaixo, e o pânico se instalou entre os jovens discípulos que agilmente saíram correndo de lá. Mais lento, o alemão foi o último a sair, quando algo o fez olhar para trás. E o que ele viu, o paralisou. 


O velho mestre sentado impassível na sua posição **seiza. Envergonhado o discípulo alemão retorna e senta-se. Um a um, os outros mais jovens vão voltando e de cabeça baixa sentam-se e o mestre continua a meditação. Dias mais tarde, com aquela curiosidade típica de ocidental, o alemão não se conteve e inquiriu o mestre sobre o porquê da sua não fuga na ocasião do terremoto. O mestre demorou um pouco a responder, e disse: “Meu filho, onde era o terremoto?”

“Lá fora”, respondeu o alemão.
“E vocês estavam correndo para onde?”

“Pra fora”, respondeu já atingido pela irretorquível lógica, o discípulo.

 Essa história foi narrada pelo filósofo alemão Eugen Herrigel no livro a Arte Cavalheresca do Arqueiro Zen. Usei essa história para servir de ponte ao meu artigo de hoje sobre a situação de  crise pela qual nós brasileiros estamos passando, um verdadeiro terremoto. 


A crise embora esteja sendo tratada na esfera política, judicial e policial, é fundamentalmente moral. Envolve tantos elementos emocionais que seria impossível tentar mapeá-los aqui. Impossível também é dimensionar o tamanho e a duração do estrago que está fazendo e fará ainda em muitos de nós, numa espécie de estresse pós-traumático. Algumas pessoas têm me procurado para compartilhar as suas angústias, e muitas pensam em ir embora, sem saber exatamente para onde e como farão isto.


 Já vivemos outras crises, e me lembro claramente, de manchetes do passado que diziam em letras garrafais: “MAR DE LAMA”! É impossível medir o nível em que os escândalos nos atingem, é impossível saber se aquela infecção urinária da Maria, ou o acidente (por pura distração) do João, ou ainda a gastrite do Pedro, ou a depressão da Joana foram causadas por esse estresse pós-traumático das notícias com as quais somos bombardeados diariamente. 



Mas algo acontece, isso é inegável. Não podemos ser impermeáveis a esse tipo de estímulos, não somos super-homens, nem supermulheres capazes de resistir ao mesmo tempo às intempéries 'naturais' do nosso dia-a-dia, e ainda por cima uma carga extra de agressões a nossa honra, dignidade, a nossa simples humanidade. 


A impotência do homem comum diante de um mundo que lhe é hostil, mas contra o qual nada pode fazer, é sim causadora de doenças das mais diversas. Entre as reações mais ostensivas, está o escapismo, a busca de uma Passágarda, a fuga para uma ilha paradisíaca onde possamos apenas viver as nossas vidas sem sermos molestados moralmente.


 Essa também é uma reação negativa, por si só, indicativa de um desequilíbrio, pois como disse o velho mestre: a crise é “lá fora”. O que ele quis dizer com isso, usando uma rica simbologia muito zen? Que não há lugar, para onde fugir, senão para dentro de si mesmo, para o templo-fortaleza que você construiu dentro de si mesmo. Mas e se você não construiu esse templo? E se você passou todo o tempo empenhado em apenas construir “lá fora”? Uma casa própria, uma carreira, uma imagem, uma fortuna pessoal, um império...? Aí meu caro, quando a casa cai não há para onde ir.


 Também me sinto afetado pela atual crise “política” principalmente pelas incógnitas que ela encerra em seu bojo nebuloso. Também sinto ânsia de vômito, e tremores de vez em quando diante da TV ou da revista semanal, mas imediatamente penso que isso está acontecendo “lá fora”, como já sucedeu outras vezes, e infelizmente vai acontecer mais para frente. 


Mas fecho os olhos e deixo- me deslizar suavemente para meu quarto secreto (meio desarrumado confesso) construído ao longo de uma vida. Fecho os olhos e silencio. Fecho os olhos e entôo uma oração silenciosa e me deixo na quietude. Ali me fortaleço, e tento anular os efeitos malignos desse estresse pós-traumático. Ali reconheço a minha fragilidade e me permito ser embalado pelo meu Deus Luminoso, incorruptível, uma Rocha!


Cada um deveria construir um espaço interior para se refugiar não apenas em tempos de grave crise, mas sempre. O mundo “lá fora” constrói e dissemina o medo, que é fatal quando se instala nos nossos corações. O medo sempre vem acompanhado de seus primos, a vergonha, a humilhação, a insegurança, a violência e outros (é uma família e tanto).

 Mesmo que nos sintamos fortes o bastante para lutar em campo aberto, “lá fora”, com as armas “deles”, sem essa parada no templo-fortaleza interno, seremos apenas esmagados, ou pior: cooptados, e passaremos a ser agentes do “lá fora”.

Faça como o mais sábio dos três porquinhos construa uma casa sólida, mesmo que isso leve tempo e seja complicado, nenhum lobo mau poderá derrubá-la."


* Dojo: Segundo o Dicionário Houaiss: escola de treinamento em artes marciais de defesa pessoal, esp. judô e caratê ** Seiza: A maneira dos japoneses se sentarem sobre os calcanhares, com uma mão sobre a outra, conhecida como nipon-za (postura japonesa), é um tipo de seiza. 


Autor: Roberto Goldkorn
Fonte:http://www2.uol.com.br/vyaestelar/espaco_interior.htm

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