Jacqueline Berg descreve como podemos nos libertar das prisões auto-impostas a que nos submetemos.
Recentemente,  li um anúncio que dizia, “Seja diferente. Seja você mesmo.” Isso me  lembrou de uma história que ouvi certa vez sobre um leão que foi  separado de seus pais no nascimento. Ele cresceu num rebanho de ovelhas.  Pelo fato de o filhote acreditar mesmo ser uma ovelha, comportava-se  como uma. Ele era um leão em transe de ovelha.
A história do leão é  um pouco parecida com muitas de nossas próprias histórias. Nós também  freqüentemente estamos num transe. Nós também parecemos esquecer quem  realmente somos. E, por causa desse engano, temos nos identificado com  diferentes imagens e idéias. Colocamos máscaras e realmente começamos a  acreditar que somos essas máscaras. É claro que é impossível ser feliz  se você é um leão e vive como uma ovelha. O segredo de conhecer-se é que  existe algo dentro de você totalmente diferente daquilo que você finge  ser.
A única maneira de conhecer esse “eu” verdadeiro é através  de uma pesquisa consciente. A maioria das pessoas não tem tempo para  isso. Ou eu deveria dizer que elas não criam tempo para isso? Essa é a  beleza do tempo: você pode criá-lo. Durante minha pesquisa, descobri  quatro coisas que são de importância vital. A primeira é o silêncio. A  segunda é o relacionamento comigo mesma. A terceira é o relacionamento  com o Supremo e finalmente vem meu relacionamento com aqueles que estão à  minha volta. 
 É realmente importante pensar nelas nessa ordem. Nós  normalmente as abordamos numa ordem diferente. Estamos muito conscientes  sobre os relacionamentos que temos com os outros, alguns de nós pensam  sobre Deus, poucos pensam no seu eu interior e dificilmente alguém tem  um relacionamento com o silêncio.
Antes de começar a meditar – há  uns 25 anos – eu não considerava muito o silêncio em minha lista de  prioridades. Não tinha uma idéia clara do que ele realmente era. Eu era  viciada em trabalho, e pessoas assim não desperdiçam tempo em hobbies  fúteis como o silêncio. Minha vida era ativa, dinâmica. E era assim na  família também. Depois de divorciar-se, minha mãe contou-me porque ela  sempre esteve tão incrivelmente ocupada. Ela literalmente esteve fugindo  da dor que sentia por causa do seu casamento não-preenchedor.
 Isso me  despertou para o fato de que o trabalho pode ser apenas outro vício, um  modo de encobrir a dor, um modo de evitar as coisas com as quais não  sabemos lidar. Então, essa é a maneira como fui criada: nunca parando,  nunca sendo, sempre fazendo.
Minha jornada interior começou com o  desejo de quebrar esse ciclo vicioso de ficar dando voltas; tentando  “simplesmente ser” para mudar um pouco. Os primeiros anos na meditação  não foram fáceis. Achei difícil relaxar e não conseguia sentar-me em  silêncio. Minha mente criativa continuava correndo. Foi realmente meu  corpo que veio para me salvar e forçou-me a sentar – ou em outras  palavras – silenciar-me. 
Lentamente, mas definitivamente, minha mente  aceitou-se derrotada e enquanto a bandeira branca estava sendo hasteada,  o silêncio entrou.
Leva tempo acostumar-se a estar em silêncio e  não fazer “nada”. Lembro-me de uma manhã quando estava sentada no sofá –  meditando – quando um dos vizinhos passou pela janela. Antes disso,  havia pegado uma revista e fingia lê-la. Por tanto tempo vivi com a  idéia, “Eu faço, portanto eu sou.” Tinha receio de que os vizinhos  pensassem que eu não estava fazendo nada. Mas estava mais receosa ainda  daquela voz interior, o Crítico Interior, que me puxou para além dos  meus limites durante muitos anos. 
Agora que minha mente estava se  tornando mais silenciosa, tornei-me mais consciente dessa voz interna.  Custou-me certo tempo para entender o que esse criticismo interno faz, o  quão destrutivo ele é.
Muitas pessoas confundem criticismo com  intelectualismo; eles pensam que é bom ter opinião sobre tudo e julgar  os outros. Mas descobri que ele realmente é um hábito muito negativo.  Machuca os outros, e, acima de tudo, você se machuca com esse tipo de  julgamento negativo. Acho que ele deriva da noção errada de  perfeccionismo. 
Perfeccionismo não é o mesmo que perfeição, no sentido  de inteireza. “Ser completo” significa ser completo com todos os poderes  e virtudes dentro do eu. Perfeccionismo é algo diferente.  Perfeccionistas tentam controlar pessoas e situações de modo que nada dê  errado. Eles querem que tudo aconteça tranqüilamente e não conseguem  lidar com imprevistos. Ao invés de focarem-se na beleza da vida, são  obcecados pelos defeitos e imperfeições deles próprios e dos outros.  Corrigem a eles mesmos e aos outros continuamente – às vezes em  palavras, sempre em pensamentos.
Não estou dizendo que nós não  devemos tentar tornar as coisas melhores e nos esforçarmos para a  perfeição. Afinal de contas, todos viemos de um estado de harmonia  interna e completude. Então, é muito natural que queiramos retornar  àquele estado uma vez mais. Mas a raiva projetada por ter perdido sua  própria perfeição não vai trazer a completude de volta. De fato, isso  cria muitos problemas nos relacionamentos. 
Não é fácil enfrentar, ou  mesmo ver, os seus próprios defeitos. É mais fácil ver isso nos outros, e  então, o Crítico Interno os ataca. E sempre há alguma coisa: a maneira  como alguém se veste, fala, comporta-se... não há fim para isso. Mas o  que estamos realmente fazendo é criticar nosso próprio comportamento.
A  maneira de conhecer o Crítico Interno é prestar atenção aos seus  sentimentos: como eu me sinto sobre mim? Como me sinto sobre as outras  pessoas? Recentemente, meu dentista disse-me que se ele tirasse minhas  obturações de mercúrio, meus sentimentos por mim mudariam. Não é  surpreendente que algo assim pode realmente mudar o modo como nos  sentimos sobre nós mesmos?
 Os sentimentos podem mudar tão rapidamente e  existe muita influência, assim, a melhor maneira de ver os sentimentos  é: Eles são apenas sentimentos. E um sentimento leva a outro. Quando  você olha por trás desses sentimentos e emoções, ainda há você. É o que  acontece em relação à raiva: você pode sentir raiva, mas isso não faz de  você uma pessoa raivosa. É bom separar seus sentimentos de você mesmo.
Veja  o medo, por exemplo. Há alguns anos viajei para a Austrália. Eu estava  num vôo doméstico que levaria apenas 45 minutos. Mas, no caminho,  pegamos uma tempestade tropical, com muita chuva. Tentamos aterrissar,  decolar novamente, e aterrissar mais uma vez. Isso aconteceu sete vezes.  A experiência foi terrível, as pessoas gritavam sem parar.
 De qualquer  forma, o fato é que eu tenho medo de voar, então, você pode imaginar  como me senti. Meu medo cresceu e cresceu até que cheguei aos limites do  medo. Eu não poderia estar mais amedrontada. Então, de repente, ele  desapareceu. Foi embora. Comecei a sorrir. Vi quão engraçada era a  situação e consegui acalmar os outros à minha volta. Quando chegamos ao  nosso destino, 11 horas depois, percebi profundamente: um sentimento é  somente um sentimento. Ele pode incomodá-lo durante anos, e então, de  repente, ir embora. Sentimentos mudam, nós não!
Quando permito que  o silêncio entre em minha mente, descubro quem sou, lá no fundo. Começo  a entender minhas motivações. Posso ser honesto comigo. Não preciso  enganar-me. Quando começo a me ouvir, é possível descobrir coisas  diferentes daquilo que eu esperava encontrar. Talvez eu seja uma pessoa  muito diferente de quem pensava ser. Talvez eu seja um leão vivendo num  transe de ovelha. Se sou, então o processo de reconhecimento e mudança  começa. Pode ser um pouco dolorido destruir as imagens criadas de nós  mesmos, mas acima de tudo, é uma liberação.
 É claro que as pessoas à  nossa volta dirão, “Espere aí, esse não é você, isso não é como eu  conheço você.” Eles tentarão puxá-lo de volta. É necessário coragem para  mudar. Pode ser doloroso descobrir quão pouco seus amigos e família o  conhecem de verdade. Mas, na realidade, você não pode culpá-los. Afinal  de contas, foi você quem induziu-os ao erro ao não mostrar-lhes o seu  verdadeiro eu. Você mostrou-lhes somente a máscara.
Temos nos  identificado com muitas coisas externas. As pessoas têm muitas faces.  Nossa identidade está nas roupas que usamos, nos empregos que temos,  onde vivemos e assim por diante. Algumas pessoas são completamente  diferentes no trabalho do que são em casa. Eles mostram somente uma  parte deles no trabalho. Num certo sentido, enganam seus colegas. Na  Prisão Estatal Holandesa, ensinei meditação para homens jovens, os quais  estavam lá por causa de crimes relacionados com drogas. Então, além de  suas penas, eles eram viciados. Não era um grupo fácil! Foram-lhes  oferecidas sessões de psicoterapia para torná-los conscientes da dor de  seu passado. Isso é importante, pois haviam tentado fugir do passado por  meio das drogas. 
Depois que eles ficaram sóbrios, tive a oportunidade  de fazer sessões de meditação e pensamento positivo com eles. Esses  garotos ensinaram-me muito sobre mim. Eles não deixaram nada a que se  agarrar, nada com o que se identificar. Seus amigos e namoradas não  queriam mais vê-los; muitos deles haviam perdido seus dentes e cabelos.  Falei com eles sobre prisão em liberdade. Eles sempre falavam para mim:  “O que você sabe sobre prisão? Quando você sair desse lugar, estará  livre.”
Mas o que é liberdade? Talvez eu esteja viciada no meu  trabalho, no meu relacionamento ou em negatividade. Essas jaulas da alma  também são prisões. Alguns de nós estamos presos de forma tão firme,  que é como se tivéssemos dado a nós mesmos uma sentença para a vida  toda. Eu digo aos reclusos que honestamente não sei quem está mais  livre, eles ou nós do lado de fora. Afinal de contas, eles têm todo o  tempo do mundo para repensar suas vidas. Longe da luta da vida diária, é  muito mais fácil mudar padrões.
 Algumas pessoas gastam muito dinheiro  para passar o tempo num retiro ou numa ilha privada apenas para  afastar-se de tudo, a fim de colocar as coisas em ordem. Quando digo  àqueles jovens na prisão que algumas pessoas podem até ter um pouco de  inveja deles, eles riem, mas entendem.
Eles também estão abertos à  meditação. E amam isso. Deitam-se no chão, acomodam-se em suas  cadeiras, às vezes choram. Por alguns minutos experimentam-se como  realmente são. Sentar-se juntos em meditação faz você esquecer que está  na mesma sala com assassinos e assaltantes. Eles também se esquecem  dessas coisas. Nós simplesmente sentamos juntos e esquecemos as  máscaras. Encontramo-nos como almas. Em terapia, as pessoas  freqüentemente focam somente naquilo que deu errado. Quando encontro  esses garotos, eu lhes digo, “Esqueçam-se um pouco de seu passado.  Vejamos quais qualidades e especialidades vocês ainda deixaram”. Quando  eles expressam algumas dessas qualidades, eu os relembro disso. Não me  lembro de seus nomes, mas me lembro de suas qualidades.
O perdão é  muito importante para eles. Somente quando aprenderem a perdoar-se é  que podem abandonar suas identidades falsas. Eles precisam entender por  que estavam fazendo aquelas coisas: não é porque são pessoas más, mas  por causa da falta de entendimento. Somente assim eles podem perdoar e  reconquistar sua auto-estima novamente.
Perdoar-se significa curar  seu coração. Se você continuar se punindo, ainda estará atrás das  grades. Ainda estará na prisão. E por estar na prisão, você aprisiona os  outros também. Ninguém quer estar preso sozinho. Nós queremos  companhia. Se sua identidade é baseada em vergonha, você vai procurar  por outros que tenham o mesmo problema. E sempre irão machucar-se uns  aos outros. Pessoas machucadas machucam pessoas. Essas projeções uns nos  outros irão continuar até que você se cure. E só quando você se curar é  que será capaz de curar os outros.
Devemos entender que somos  livres. As almas são livres. Ninguém pode nos aprisionar; nós é que  escolhemos nos aprisionar. Transformamo-nos em vítimas. E se gostamos de  desempenhar o papel de vítimas, sempre há alguém querendo desempenhar o  papel de vitimizador – o pássaro e a gaiola. Se queremos ser livres,  meu conselho é: Não fuja de sua “gaiola”; não fuja de seu(s)  relacionamento(s). Ao invés disso, entenda o que está acontecendo e  mude. Para mim, isso é honestidade. E esse é o único modo de libertar-se  verdadeiramente.
 Não gaste toda a sua energia tentando mudar os outros.  É inútil. Toda a sua energia será usada em discussões, lutas e nas  mesmas brigas, repetidas vezes. Os outros só vão mudar quando eles  quiserem, quando eles entenderem que têm de mudar. A mudança vem de uma  motivação interna. Mas se usamos nossa preciosa energia para mudar a nós  mesmos, as chances são de que o outro também mude. É hora de regenerar a  sua alma.
Relacionamentos verdadeiros começam com silêncio.  Portanto, você pode começar a criar um relacionamento melhor consigo,  então, com o Supremo, e então com os outros. A razão pela qual os  relacionamentos com os outros vêm por último é porque os outros nunca  vêem em nós o que Deus vê. Freqüentemente nos vemos através dos olhos  dos outros. Então, se alguém vê somente 20% do que somos, também só  vemos esse tanto. Deus nos vê como somos, Ele vê nosso potencial  completo. Se você aprender a olhar-se da forma como Deus o vê, você  começará a ver seu eu verdadeiro. Se aprender a conectar-se ao Ser  Supremo, seus sentimentos puros serão estimulados e reforçados. É  maravilhoso estar em contato com um ser que é tão próximo à sua natureza  original. Você se sente muito confortável na presença de alguém que é  consciente da alma. Você começa a relaxar, pois está sendo reconhecido.  Não precisa provar mais nada a si mesmo.
Acredito que atualmente  vivemos num período no qual as pessoas estão começando a entender essas  coisas. Mas temos que parar de desperdiçar energia e concentrarmo-nos  naquilo que realmente é necessário. 
A prática de meditação é sobre  aprender a não ser influenciado, ser você, salvo e protegido naquela  energia pura. Meditação é sobre sentir sua própria energia da alma.  Realmente sentir: isso sou eu; aquele sentimento de que sou único, sou  especial. Então, o processo completo é expressar aquela energia na sua  vida diária, em seus relacionamentos.
Mas, em primeiro lugar, você tem  que praticar para senti-la, até que se torne estável na sua identidade  verdadeira. Quando você começa a sentir quem realmente é, não há  necessidade de lutar contra vícios ou pessoas à sua volta. De fato, não  há necessidade sequer de lutar. É um processo muito natural. Quando  mudarmos nossas atitudes, seremos capazes de mudar o mundo. Como vocês  vêem, Deus precisa de ajuda. Ele precisa de mentes livres.
Jacqueline Berg, escritora e autora, é diretora da Brahma Kumaris na Holanda.