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22 de agosto de 2011

"Diálogos sobre a Solidão" por Krishnamurti

 

"Sabeis o que significa solidão, e estais cônscios dela? Duvido-o, bastante, porque estamos abafados em atividades, em leituras, em relações, em idéias, e tudo isso impede-nos, verdadeiramente, de perceber a solidão.

 Mas, que quer dizer solidão? É um sentimento de vazio, de falta, extraordinária incerteza, de não estarmos ancorados em coisa alguma. Não é desespero, nem a falta de esperança, mas um sentimento de vácuo; de vazio e de frustração.

 Estou certo de que todos nós já a sentimos - todos, os felizes e os infelizes, os que vivem ocupadíssimos e os cultores do saber. Todos o conhecemos, esse sentimento de uma dor real e incessante, um sofrimento que não podemos encobrir, por mais que o tentemos.

Entremos, portanto, de novo neste problema, para vermos o que de fato se passa, para vermos o que fazemos quando nos sentimos sós. Procuramos fugir ao sentimento da solidão, tomamos um livro, seguimos um guia, vamos ao cinema, ou nos lançamos em intensa atividade social; ou vamos adorar e rezar, ou pintar, ou escrever um poema sobre a solidão.

 É isso o que realmente se passa. Ao terdes consciência da solidão, do sofrer que ela causa, do terror extraordinário e insondável, que nos infunde, procuramos fugir-lhe, e essa fuga toma maior importância e por esta razão as vossas atividades, vossos livros, vossos deuses, e vossos rádios, tudo se torna importante. Não é verdade isso?

 Eu já disse que, quando atribuímos importância a valores secundários, eles nos levam ao infortúnio e ao caos; e os valores secundários são, necessariamente, os valores sensoriais, e a civilização moderna, baseada que esta nestes valores, oferece-nos este meio de fuga — fuga, nos afazeres, na família, no nome, nos estudos, na pintura, - etc. Toda a nossa civilização está baseada na fuga. Isso é um fato.

Já experimentastes ficar só? Se o fizerdes, percebereis como é difícil, e quanta inteligência é necessária para estarmos sós, porquanto a mente não nos deixa ficar sós. A mente fica inquieta, ocupada com fugir. Mas, que fazemos nós? Procuramos preencher este vazio extraordinário com o conhecido. 

Encontramos uma maneira de ficar ativos, de ser sociais, sabemos estudar e sabemos ligar o rádio. Estamos, portanto, preenchendo essa coisa que não conhecemos, com coisas que conhecemos. Procuramos preencher o vazio com o saber de vária espécie, com as relações, ou com as coisas. Com estes três procuramos enchê-lo. Não é assim? Este é o nosso processo, esta é a nossa existência. 

Pois bem; quando tendes percebimento do que fazeis, pensais ainda ser possível preencher aquele vazio? Já experimentastes todos os meios de preencher o vazio da solidão. Conseguistes preenchê-lo? Tentastes o cinema, mas sem resultado e, por isso, apelais para os “gurus”, os livros, ou vos tornais intensamente ativos, socialmente.

 Conseguistes preenchê-lo, ou apenas encobri-lo? Se apenas o encobristes, ele ainda existe. E, pôr isso ele voltará, e se conseguirdes, afinal, escapar-lhe de todo, sereis fechado num hospício, ou ficareis extremamente embotados, insensíveis. É isso o que está acontecendo no mundo.

Esse vazio, esse vácuo pode ser preenchido? Se não, podemos fugir dele? E, se já o experimentamos e descobrimos que nada vale um determinado meio de fuga, não se deduz daí que todos os outros meios nada valem? Por conseguinte, não importa se preencheis o vazio com isso ou com aquilo. A meditação é também um meio de fuga. Por isso, não adianta variar os meios de fuga.

Como, então, ireis descobrir o que precisais fazer para eliminar o vazio? Só podeis descobrir o que deveis fazer, depois de desistirdes de fugir. Não é assim? Isto é, quando tendes a disposição de enfrentar a realidade (o que “é”), o que significa que não deveis ligar o rádio, o que significa que deveis voltar as costas à civilização, chega então ao seu termo a solidão, porque está completamente transformada. Já não é solidão.

 Porque, se compreendeis “o que é”, isso é, então, o Real. — Porque a mente está continuamente a evitar, a fugir, a recusar a ver o “que é”, cria ela os seus próprios -obstáculos. Porque temos tantos obstáculos á impedir-nos de ver o “que é”, nós não o compreendemos, e por isso nos afastamos da Realidade; e todos esses obstáculos foram criados pela mente, para não ver o “que é”.

 Porque, para se ver ó “que é”, requer-se não só muita capacidade de ação e vigilância, mas também que volteis as costas a todas as coisas que construístes, à vossa conta no banco, ao vosso nome, a tudo o que chamamos civilização. Ao verdes o que “é”, vereis como se transforma a solidão."

Krishnamurti – 23 de novembro de 1947
Do livro: Uma Nova Maneira de Viver – editado em 1950 pela editora ICK
Tradução de Hugo Veloso

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