"Eu acredito em Deus.
Mas não sei se o Deus em que eu acreditoé o mesmo Deus em que acredita
o balconista, a professora, o porteiro.
O Deus em que acredito não foi globalizado.
O Deus com quem converso não é uma pessoa,
não é pai de ninguém.
É uma idéia, uma energia, uma eminência.
Não tem rosto, portanto não tem barba.
Não caminha, portanto não carrega um cajado.
Não está cansado, portanto não tem trono.
O Deus que me acompanha não é bíblico.
Jamais se deixaria resumir por dez mandamentos,
algumas parábolas e um pensamento que não se renova.
O meu Deus é tão superior quanto o Deus dos outros,
mas sua superioridade está na compreensão das diferenças,
na aceitação das fraquezas e no estímulo à felicidade.
O Deus em que acredito me ensina a guerrear conforme as armas que tenho
e detecta em mim a honestidade dos atos.
Não distribui culpas a granel: as minhas são umas,as do vizinho são outras, e nossa penitência é a reflexão.
Ave Maria, Pai Nosso, isso qualquer um decora sem saber o que está dizendo.
Para o Deus em que acredito só vale o que se está sentindo.
O Deus em que acredito não condena o prazer.
Se ele não tem controle sobre enchentes, guerrilhas e violência,
se não tem controle sobre traficantes, corruptos e vigaristas,
se não tem controle sobre a miséria, o câncer e as mágoas,
então que Deus seria ele se ainda por cima condenasse o que nos resta:
o lúdico, o sensorial, a libido que nasce com toda criança e se desenvolve livre,
se assim o permitirem?
O Deus em que acredito não é tão bonzinho: me castiga e me deixa uns tempos sozinha.
Não me abandona, mas me exige mais do que uma visita à igreja,
uma flexão de joelhos e uma doação aos pobres:
cobra caro pelos meus erros e não aceita promessas performáticas,
como carregar uma cruz gigante nos ombros.
A cruz pesa onde tem que pesar: dentro.
É onde tudo acontece e tudo se resolve.
Não me abandona, mas me exige mais do que uma visita à igreja,
uma flexão de joelhos e uma doação aos pobres:
cobra caro pelos meus erros e não aceita promessas performáticas,
como carregar uma cruz gigante nos ombros.
A cruz pesa onde tem que pesar: dentro.
É onde tudo acontece e tudo se resolve.
Este é o Deus que me acompanha.
Um Deus simples.
Deus que é Deus não precisa ser difícil e distante, sabe-tudo e vê-tudo.
Meu Deus é discreto e otimista.
Não se esconde, ao contrário, aparece principalmente nas horas boas para incentivar,
para me fazer sentir o quanto vale um pequeno momento grandioso:
um abraço numa amiga, uma música na hora certa, um silêncio.
É onipresente, mas não onipotente.
Meu Deus é humilde.
Não posso imaginar um Deus repressor e um Deus que não sorri.
Quem não te sorri não é cúmplice."
Martha Medeiros