23 de setembro de 2012

Trechos do caminho [e da vida] por Ana Jácomo...


"Em muitos trechos do caminho, às vezes bem longos, carregamos muito peso na alma sem também notar. A gente se acostuma muito fácil às circunstâncias difíceis que às vezes podem ser mudadas. A gente se adapta demais ao que faz nossos olhos brilharem menos.
 A gente camufla a exaustão. 
A gente inventa inúmeras maneiras para revestir o coração com isolamento acústico para evitar ouvi-lo. A gente faz de conta que a vida é assim mesmo e ponto. A gente arrasta bolas de ferro e faz de conta que carrega pétalas só pra não precisar fazer contato com as nossas insatisfações e agir para transformá-las. 
A gente carrega tanto peso, no sentimento, um bocado de vezes, porque resiste à mudança o máximo que consegue, até o dia em que a alma, cansada de não ser olhada, encontra o seu jeito de ser vista e de dizer quem é que manda.


Eu fiquei pensando no que esse peso todo, silenciosamente, faz com a alma. No que isso faz com os sonhos mais bonitos e charmosos e arejados. No que isso, capítulo a capítulo, dia-a-dia, faz com a nossa espontaneidade.
 No que isso faz, de forma lenta e disfarçada, com o desenhista lindo que mora na gente e traça os risos de dentro pra fora.
 E o entusiasmo. E o encanto. E a emoção de estarmos vivos. 
Eu fiquei pensando no quanto é chato a gente se acostumar tanto. 
No quanto é chato a gente só se adaptar. No quanto é chato a gente camuflar a própria exaustão, a vida mais ou menos há milênios, que canta pouco, ri pequeno e quase não sai pra passear.
 Eu fiquei pensando no quanto é chato a gente deixar o coração isolado para não lhe dar a chance de nos contar o que imagina pra nós e o que podemos desenhar juntos nessa estrada.


Mas chega um momento em que me parece que, lá no fundo, a gente começa a desconfiar que algo não está bem e que, ainda que seja mais fácil culpar Deus e o mundo por isso, vai ver que os algozes moram em nós, dividindo espaço com o tal desenhista lindo que, temporariamente, está com a ponta do lápis quebrada.
 Sem fazer alarde, a gente começa a perceber os tímidos indícios que vêm nos dizer que já não suportamos carregar tanto peso como antes e a viver só para aguentar.
 Devagarinho, a gente começa a sentir que algo precisa ser feito. Embora ainda não faça. Embora ainda insista em fazer ouvidos de mercador para a própria consciência. Embora ainda estresse toda a musculatura da alma, lesione a vida, enrijeça o riso, embace o brilho dos olhos, envenene os rios por onde corre o amor.
 Por medo da mudança, quando não dá mais para carregar tanto peso, a gente aprende a empurrá-lo, desaprendendo um pouco mais a alegria. Quase nem consegue respirar de tanto esforço, mas aguenta ou pelo menos faz de conta, algumas vezes até com estranho orgulho. Até que chega a hora em que a resistência é vencida.
 A gente aceita encarar o casulo. A gente deixa a natureza tecer outra história. A gente permite que a borboleta aconteça.

Nascemos para aprender a amar, a dançar com a vida com mais leveza, a criar mais espaço de conforto dentro da gente, a ser mais felizes e bondosos, a respirar mais macio, essa é a proposta prioritária da alma, eu sinto assim. Podemos ainda subestimar a nossa coragem para assumir esse aprendizado.
 Podemos nos acostumar a olhar o peso e o aperto, nossos e dos outros, tanto sofrimento por metro quadrado, como coisa que não pode nunca ser transformada.

 Podemos sentir um medo imenso e passar longas temporadas quase paralisados de tanto susto. Podemos esgotar vários calendários sem dar a menor importância para o material didático que, aqui e ali, a vida nos oferece. Podemos ignorar as lições do livro-texto que é o tempo e guardar, bem escondido do nosso contato, esse caderno de exercícios que é o nosso relacionamento com nós mesmos e com os outros. 

Apesar disso tudo, a nossa semente, desde sempre, já inclui as asas. Já inclui o voo. Já inclui o riso. Já é feita para um dia fazer florir o amor que abriga. E, mais cedo ou mais tarde, ela floresce."
Ana Jácomo

2 comentários:

  1. Olá Mariangela,
    É um texto que me faz refleti sobre o que estou vivendo agora.Ao longo da caminhada a gente vai esquecendo que podemos sim mudar o que não tá tão bom assim.Basta criar coragem e mudar.
    bjos

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  2. Oi Drica,

    É um lindo e tocante texto, amiga...nos faz lembrar que podemos mudar, temos o direito e possibilidade de escolher novos rumos e caminhos, depende sempre de nós...coragem!
    beijos no coração!

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